ABRE: “Mulheres não se interessam por política”. Este
tem sido o mantra entoado pelos partidos políticos nas últimas duas décadas
para justificar o fato de não preencherem o mínimo de candidaturas (ou “cota”) de
mulheres estabelecido pelas leis eleitorais de 1995, 1997 e 2009[1],
mecanismo criado como um remédio aos males da sub-representação parlamentar das
mulheres.
Quando os
debates em torno da criação de um mecanismo de discriminação positiva para
mulheres nas eleições brasileiras se iniciaram, no início da década de 1990, os
líderes partidários desenvolveram o mantra para justificar seu desacordo. Segundo
eles, as cotas não poderiam ser preenchidas exclusivamente por culpa das
mulheres que, afinal de contas, “não davam a mínima para a política
institucional”.
Os movimentos
feministas e mulheres de partidos políticos mostraram que esse mantra era uma
grande falácia e que a sub-representação parlamentar de mulheres não era fruto
da falta de interesse por parte delas, e sim o resultado de um processo
cultural e institucional muito complexo. Portanto, as cotas eleitorais eram necessárias para combater este
quadro.
A cota foi aprovada e sistematicamente violada ao longo de
quase 20 anos.
Os partidos argumentavam não conseguir cumpri-la, porque era muito difícil
encontrar candidatas interessadas. O mantra era repetido à exaustão,
desconsiderando que os motivos reais da
sub-representação de mulheres e da escassez de candidaturas feministas vão
desde fatores culturais até o sistema político, passando pela organização
material da sociedade (principalmente, pelo capitalismo e pela divisão sexual
do trabalho) e pelo patriarcado racista e heteronormativo, mas são sempre
estruturais, ancorados em valores de sistemas ideológicos excludentes.
A falta de vontade política dos partidos figura entre os
motivos mais relevantes. Para se ter uma idéia, o percentual de mulheres
candidatas a vereadoras nunca havia passado de 22% do total até este ano[2]. Dada a necessidade de
torná-la mais eficaz, a
cota foi alterada em duas reformas eleitorais neste meio tempo e, hoje, estabelece que “cada partido ou
coligação deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas
de cada sexo” em eleições proporcionais (cargos de deputad@ federal, deputad@
estadual e vereador/a).
Eis que chega o
ano de 2012 e a Justiça Eleitoral passa a cobrar a obrigatoriedade deste
mecanismo. Pela primeira vez na história do país, as mulheres foram mais de 30%
das candidaturas a um cargo eletivo. Nos 5.564
municípios onde houve votação, as mulheres foram 32,6% do total de 448.413
candidat@s a vereador/a que concorriam às 57.448
cadeiras. Nas eleições anteriores, em 2008 e
2004, as mulheres representavam 22,1% do total de candidatos/as a vereador/a
(76.670 em 347.333 candidaturas em 2008; 76.555 em 346.419 em 2004). Houve um crescimento em números absolutos de 69.312
candidaturas femininas e de 10,5 pontos percentuais na presença de mulheres em
listas eleitorais.
O grande avanço em termos de candidaturas de
mulheres ao Legislativo Municipal pode ser explicado pela obrigatoriedade do
mecanismo de cota. Já no caso das candidatas a prefeitas, cargo no qual
a cota não opera (junto com os outros cargos eleitos por representação
majoritária: governador@s, senador@s e president@s da república), as
candidaturas foram bem mais tímidas.
Do total de
15.438 candidat@s, elas foram somente 1.938 mulheres
candidatas (12,6%). Ainda assim, houve um crescimento absoluto de candidaturas femininas (317 a mais do que em 2008),
correspondendo a um crescimento percentual de 2 pontos em termos de candidatas
à prefeita.
Quais
foram os desdobramentos deste incremento no percentual de mulheres candidatas
após o fim das eleições?
Se o maior avanço nestas eleições foi o fato de, pela
primeira vez, as mulheres terem sido mais de 30% das candidaturas a um cargo
eletivo, o maior retrocesso foi que esse incrementode candidaturas não se
traduziu em mais vereadoras eleitas.
Após o primeiro turno, foram eleitas 7.658 vereadoras, ou 13,3% do total de
57.389 vereador@s eleit@s.
Em 2008, foram eleitas 6.508
mulheres (12,5% do total de 51.965). Em 2004, foram eleitas 6.555 mulheres (12,6% do total de 51.800 eleit@s). Um
crescimento ínfimo, menor do que um ponto percentual, tanto em relação a 2008
quanto a 2004. Isto indica que, apesar de não terem repetido seu mantra e terem
oferecido mais candidatas este ano, os partidos políticos não ofereceram
mulheres com chances reais de eleição.
Vimos que a cota é restrita a cargos escolhidos pelo
sistema proporcional. Assim, o crescimento percentual de mulheres prefeitas
eleitas em relação à 2008 foi... maior do que o de vereadoras, ao contrário do
que seria esperado! No primeiro turno, foram eleitas (ou seguiram para o
segundo turno) 671 mulheres,
12% do total de 5.610 nov@s
prefeit@s.
Em 2008,
foram eleitas 504 mulheres (9,1% do total de eleitos/as) e 5.051 homens (91,9%), totalizando 5.555 eleitos/as:
no primeiro turno, foram eleitas
502 prefeitas (9,1%) e
5.022 prefeitos (90,9%), totalizando 5.525 prefeitas/os. O aumento em
relação a 2008, portanto, foi de três pontos percentuais. Um crescimento baixo,
mas, ainda assim, maior do que o que foi verificado no caso das vereadoras, que
é contemplado pela lei de cotas. Uma grande contradição!
O novo mantra
Certamente, a
justificativa dos partidos políticos para o baixo sucesso das candidatas a
vereadora seria a entonação de um novo mantra. Em vez de “mulheres não se
interessam por política” agora poderia ser algo como “as pessoas não votam em
mulheres”. Contudo, acreditamos que o fenômeno se deva ao alto número de candidatas
laranja: mulheres sem chances reais de eleição,
convocadas pelo partido somente para preencher as cotas. Esta sempre foi uma
preocupação do feminismo: que a obrigatoriedade das cotas não alterasse a forma
como se faz política eleitoral, mas sim fosse limitada ao aspecto formal e
numérico, incluindo mulheres “só para constar”.
Infelizmente, as
cotas não foram um estímulo aos partidos políticos para investir capital
financeiro e político em candidaturas de mulheres. Como instituições
conservadoras e machistas que são, preferiram convocar mulheres laranja para as
candidaturas e continuar repetindo seus mantras.
Isso quer dizer
que as cotas não servem para nada? Não! Quer dizer que, mais uma vez, os
partidos políticos estão se negando a seguir as demandas da coletividade de
mulheres, que foram traduzidas em legislação.
Queremos estar mais presentes nos espaços de poder e decisão, e mais: queremos
que estes espaços mudem!
A solução do
problema é uma reforma política ampla, capaz de atingir e alterar os fatores de
discriminação. Para tanto, o movimento feminista possui sua plataforma política
e atua diretamente com articulações como a Plataforma dos Movimentos Sociais
pela Reforma do Sistema Político e a Frente Parlamentar pela Reforma Política
com Participação Popular[3].
Somente com a democratização do poder, para além de mudanças
específicas, e com a transformação do sistema é que teremos uma vida política
justa para mulheres, negr@s, indígenas, jovens, para a população LGBT e os
demais grupos historicamente marginalizados. É necessário mudar o poder
inteiro. Somente assim, quebraremos o poder dos mantras entoados pelos partidos
políticos e pelos donos do poder.
Fonte: AMB – Assoc.
Mulheres Brasileiras ( CFEMEA)
[1]
Leis de número 9.100/95, 9.504/97 e 12.034/09.
[2]
O CFEMEA monitora as candidaturas
de mulheres em todas as eleições municipais e federais, sendo que os resultados
podem ser encontrados em seu sítio eletrônico (www.cfemea.org.br), na parte “Dados estatísticos”
da seção “Poder e Política”.
[3] Para conhecer
algumas propostas inclusivas de reforma política, acesse nossa publicação
“Agenda Feminista para a democratização do poder na reforma”, disponível em
nosso sítio eletrônico. Para continuar por dentro das eleições municipais,
acompanhe a área de atuação “Poder e Política” do CFEMEA e inscreva-se em nosso
curso virtual sobre mulheres e eleições.